Vamos, se
anime, meu amigo me disse. Ele não era exatamente meu amigo. Era uma pessoa que
eu encontrava semanalmente para beber, assim como meus outros amigos e amigas.
‘Amigo é mãe e pai’, minha mãe me dizia quando eu era pequeno. De qualquer
modo, eu não tinha amigos. Nem todas as mulheres que eu fodi na vida foram ou
são minhas amigas. São pessoas para quem eu cozinhei e fodi.
Eu estava
um pouco cansado naquela noite. Meu amigo me disse: Vamos, porra, vai ficar aí?
Não precisa mentir, todo mundo sabe que você quer sair hoje.
Não precisa mentir, ele me disse.
Ok, eu vou.
Vou me arrumar.
Me arrumar era uma
babaquice, pois eu sempre usava as mesmas roupas: no trabalho, no velório, no
casamento, numa festa, sempre as mesmas roupas.
Estava
arrumado e saindo do meu apartamento com o meu amigo. Pegamos o carro e fomos
para o apartamento de duas amigas. Eu já havia fodido as duas. Eram
insuportáveis. Toda vez que eu ia no apartamento delas, falavam muito, me
contavam uma série de planos e novidades (as duas queriam fazer mestrado e
doutorado em qualquer país do leste europeu, as duas falavam sobre libertação
sexual, as duas sabiam que, após a universidade, seriam milionárias. A vida é
tão fácil, eu pensava). Dez minutos com aquele par de humanas era uma
eternidade.
Mas não
havia apenas as garotas no apartamento: aquele lugar era sempre infestado de
jovens, todos brancos, todos bebendo e usando essas merdas sintéticas com o dinheiro
do papai, todos falando muito, incessantemente. Todos uns putinhos, uns
pirralhos de jaqueta de couro falsificado. Todos de perfume, todos querendo
fazer mestrado e doutorado em algum país falido do leste europeu, todos certos
que serão milionários.
A vida é
fácil, bebê, por que dessa carinha? A frase vem em minha direção, junto com a
boca de uma das insuportáveis que moravam ali.
Para
facilitar o andamento das coisas, é bom separar: eram duas insuportáveis. A
branca de cabelo preto e a branca de cabelos vermelhos. Os cabelos da segunda
são pretos, mas ela pintou. Melhor, fica mais fácil para diferenciar. Ambas
tinham piercing nos mamilos.
A vida é fácil, bebê, por que dessa carinha? Isso quem me disse foi a de cabelos vermelhos. A de cabelos
pretos estava bebendo Bacardi e beijando outras duas meninas e um garoto
andrógino.
Eu sorri: é
claro que é, querida. Só estou um pouco cansado. E beijei a garota de cabelos
vermelhos. A de cabelos pretos, completamente bêbada (as insuportáveis ficavam
bêbadas cinematográficas, era um pouco engraçado), olha para mim e para a de
cabelos vermelhos e grita: Assim eu tenho ciúme, assim eu fico triste. E corre
para me beijar. Eu desvio, ela beija a de cabelos vermelhos, todos riem, todos
aplaudem. Está tocando rock no som.
O meu amigo
me diz, seu puto, se deu bem mais uma vez. Vai faturar as duas.
Eu sorri:
Vou sim. O que você acha de falar pro pessoal ir embora? Queria terminar a
noite por aqui mesmo.
Ele sorriu
e piscou o olho, tonto de alguma dessas drogas de playboy.
Na casa
havia um gato, é claro. Toda merda de lugar onde vive um jovem branco com
acesso à internet tem a merda de um gato. Mas aquele gato só aparecia quando a
garota de cabelos pretos o pegava para tirar fotos. Ele era um gato bonitinho,
até. Era um gato ok.
As pessoas
foram me cumprimentando, me beijando no rosto e descendo as escadas, entrando
nos carros bancados pelo papai. Todos gritando pelos corredores.
Liberdade, bebê, a garota
branca de cabelos pretos me disse, enquanto caminhava em minha direção, com a
garrafa de Bacardi. Depois que eu tomei um porre de Bacardi na casa de um casal
de amigos – eles eram queridos e se mudaram -, eu não aguentava uma dose
sequer. Eu desviei da garota e puxei o pendrive
que estava tocando rock.
Pra quê isso, bebê?
Eu sorri:
Eu gosto do silêncio.
Elas riram,
beberam mais um gole do Bacardi e começaram a se beijar no sofá. Eu sentei no
sofá da frente.
Você não
vem? Estamos te esperando.
Eu sorri:
não, obrigado. Não quero fazer nada hoje.
Elas
começaram a ficar bravas. Como assim, não quer fazer nada? Quer ficar
assistindo a gente, é isso?
Eu não
quero fazer nada. Nem ficar assistindo vocês, na verdade. Acendi um cigarro e
continuei no sofá. Elas começaram a tentar me convencer a fazer algo em prol
das suas vidas jovens, brancas e porcas. Seu escroto, seu frouxo, você é veado,
eu sabia. Você é um merdinha, et cetera.
Eu sorri: Foda-se. Mas não falei isso. Fui até a
cozinha, abri a gaveta e tirei uma faca. Eu detesto armas brancas. Ainda mais
facas. Voltei e apontei a faca para as duas: Vocês querem morrer? Perguntei.
As bêbadas
cinematográficas fingiram um susto enorme, um quase desespero. A garota branca
de cabelos pretos falou, ‘O que você quer? Seu doente. ’
Jovens são
uns merdas porque eles pensam que qualquer coisa que aconteça, boa ou ruim,
será motivo de promoção das suas vidas. Para as garotas brancas, se elas
fizerem sexo com numa noitada regada a Bacardi ou se elas serem assaltadas, dá
na mesma. É mais uma historinha emocionante para contar para os amigos nos
corredores da universidade. Depois você convive com gente mais velha e percebe
que continuam da mesma forma. Todos uns coitados.
Eu não
quero fazer nada. Nem ficar assistindo vocês.
Então por
quê você não vai embora, seu merda, escroto?
Sorri: boa
ideia. Vocês já pensaram em fazer uma dieta?
Levantei, abri
a porta e saí. Fui para casa. Eu estava um pouco cansado.
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