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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Eu estava um pouco cansado



Vamos, se anime, meu amigo me disse. Ele não era exatamente meu amigo. Era uma pessoa que eu encontrava semanalmente para beber, assim como meus outros amigos e amigas. ‘Amigo é mãe e pai’, minha mãe me dizia quando eu era pequeno. De qualquer modo, eu não tinha amigos. Nem todas as mulheres que eu fodi na vida foram ou são minhas amigas. São pessoas para quem eu cozinhei e fodi.

Eu estava um pouco cansado naquela noite. Meu amigo me disse: Vamos, porra, vai ficar aí? Não precisa mentir, todo mundo sabe que você quer sair hoje.

Não precisa mentir, ele me disse.

Ok, eu vou. Vou me arrumar.

Me arrumar era uma babaquice, pois eu sempre usava as mesmas roupas: no trabalho, no velório, no casamento, numa festa, sempre as mesmas roupas.

Estava arrumado e saindo do meu apartamento com o meu amigo. Pegamos o carro e fomos para o apartamento de duas amigas. Eu já havia fodido as duas. Eram insuportáveis. Toda vez que eu ia no apartamento delas, falavam muito, me contavam uma série de planos e novidades (as duas queriam fazer mestrado e doutorado em qualquer país do leste europeu, as duas falavam sobre libertação sexual, as duas sabiam que, após a universidade, seriam milionárias. A vida é tão fácil, eu pensava). Dez minutos com aquele par de humanas era uma eternidade.

Mas não havia apenas as garotas no apartamento: aquele lugar era sempre infestado de jovens, todos brancos, todos bebendo e usando essas merdas sintéticas com o dinheiro do papai, todos falando muito, incessantemente. Todos uns putinhos, uns pirralhos de jaqueta de couro falsificado. Todos de perfume, todos querendo fazer mestrado e doutorado em algum país falido do leste europeu, todos certos que serão milionários.

A vida é fácil, bebê, por que dessa carinha? A frase vem em minha direção, junto com a boca de uma das insuportáveis que moravam ali.

Para facilitar o andamento das coisas, é bom separar: eram duas insuportáveis. A branca de cabelo preto e a branca de cabelos vermelhos. Os cabelos da segunda são pretos, mas ela pintou. Melhor, fica mais fácil para diferenciar. Ambas tinham piercing nos mamilos.

A vida é fácil, bebê, por que dessa carinha? Isso quem me disse foi a de cabelos vermelhos. A de cabelos pretos estava bebendo Bacardi e beijando outras duas meninas e um garoto andrógino.

Eu sorri: é claro que é, querida. Só estou um pouco cansado. E beijei a garota de cabelos vermelhos. A de cabelos pretos, completamente bêbada (as insuportáveis ficavam bêbadas cinematográficas, era um pouco engraçado), olha para mim e para a de cabelos vermelhos e grita: Assim eu tenho ciúme, assim eu fico triste. E corre para me beijar. Eu desvio, ela beija a de cabelos vermelhos, todos riem, todos aplaudem. Está tocando rock no som.

O meu amigo me diz, seu puto, se deu bem mais uma vez. Vai faturar as duas.

Eu sorri: Vou sim. O que você acha de falar pro pessoal ir embora? Queria terminar a noite por aqui mesmo.

Ele sorriu e piscou o olho, tonto de alguma dessas drogas de playboy.

Na casa havia um gato, é claro. Toda merda de lugar onde vive um jovem branco com acesso à internet tem a merda de um gato. Mas aquele gato só aparecia quando a garota de cabelos pretos o pegava para tirar fotos. Ele era um gato bonitinho, até. Era um gato ok.

As pessoas foram me cumprimentando, me beijando no rosto e descendo as escadas, entrando nos carros bancados pelo papai. Todos gritando pelos corredores.

Liberdade, bebê, a garota branca de cabelos pretos me disse, enquanto caminhava em minha direção, com a garrafa de Bacardi. Depois que eu tomei um porre de Bacardi na casa de um casal de amigos – eles eram queridos e se mudaram -, eu não aguentava uma dose sequer. Eu desviei da garota e puxei o pendrive que estava tocando rock.

Pra quê isso, bebê?

Eu sorri: Eu gosto do silêncio.

Elas riram, beberam mais um gole do Bacardi e começaram a se beijar no sofá. Eu sentei no sofá da frente.
Você não vem? Estamos te esperando.

Eu sorri: não, obrigado. Não quero fazer nada hoje.

Elas começaram a ficar bravas. Como assim, não quer fazer nada? Quer ficar assistindo a gente, é isso?
Eu não quero fazer nada. Nem ficar assistindo vocês, na verdade. Acendi um cigarro e continuei no sofá. Elas começaram a tentar me convencer a fazer algo em prol das suas vidas jovens, brancas e porcas. Seu escroto, seu frouxo, você é veado, eu sabia. Você é um merdinha, et cetera.

Eu sorri: Foda-se. Mas não falei isso. Fui até a cozinha, abri a gaveta e tirei uma faca. Eu detesto armas brancas. Ainda mais facas. Voltei e apontei a faca para as duas: Vocês querem morrer? Perguntei.

As bêbadas cinematográficas fingiram um susto enorme, um quase desespero. A garota branca de cabelos pretos falou, ‘O que você quer? Seu doente. ’

Jovens são uns merdas porque eles pensam que qualquer coisa que aconteça, boa ou ruim, será motivo de promoção das suas vidas. Para as garotas brancas, se elas fizerem sexo com numa noitada regada a Bacardi ou se elas serem assaltadas, dá na mesma. É mais uma historinha emocionante para contar para os amigos nos corredores da universidade. Depois você convive com gente mais velha e percebe que continuam da mesma forma. Todos uns coitados.

Eu não quero fazer nada. Nem ficar assistindo vocês.

Então por quê você não vai embora, seu merda, escroto?

Sorri: boa ideia. Vocês já pensaram em fazer uma dieta?


Levantei, abri a porta e saí. Fui para casa. Eu estava um pouco cansado.
5 Somos Bem Normais: Eu estava um pouco cansado Vamos, se anime, meu amigo me disse. Ele não era exatamente meu amigo. Era uma pessoa que eu encontrava semanalmente para beber, assi...

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